Marcelo Torca
Cultura e Arte!
Textos
O Trem

1.
                                   Ainda me lembro daquele trem, rançoso, caindo aos pedaços, sem ter todos os vidros completos, a sua cor externa era branco e azul apagado, a maioria dos vagões não tinham mais acentos, e os penduradouros era a única maneira de se manter seguro, felizmente isso já é passado, agora estamos em outros tempos, pensava eu enquanto o trem seguia para mais uma estação, os barulhos dos encaixes dos trilhos soa aos meus ouvidos como uma música, e ao seguir sentado olhando pela janela comecei a relembrar novamente o passado, de como o transporte ferroviário evoluiu, as estações mudaram, ficaram mais modernas, houve interligação com o metrô facilitando a locomoção de qualquer cidadão pelos trilhos. Mesmo assim ainda tem algumas mudanças necessárias, como a veiculação do trem, deveriam passar em dupla, com diferença de trinta segundos entre si, assim impediria em alguns momentos haver lotação acima dos acentos existentes, mas de qualquer forma, isso ainda é melhor do que aqueles antigos trens.
                                   E mais uma estação se passa, continuo ainda encostado a janela observando o desenvolvimento das cidades onde estava passando o trem, era bom e ruim ao mesmo tempo, ora se passava por favelas, ora por prédios altos, alguns antigos, nem sempre o caminho dos trilhos representava a riqueza do lugar, como também nem sempre esse transporte levava os mais ilustres moradores de uma cidade, mas ao menos servia aos meus interesses, o de chegar até a Moóca, utilizando a Barra Funda como ligação das linhas. Pelo fato de estar na mesma estação, impedia de tomar chuva, como no dia de hoje, ao fazer a locomoção do trem ao metrô, assim, ao chegar ao destino poderia não estar chovendo mais, e isso impediria das barras da minha calça e as meias de ficarem molhadas, ao passar pelas poças d’água formadas nas calçadas.
                                   Um senhor aparentando uns cinqüenta e cinco anos, senta-se ao meu lado após a partida de uma outra estação, e logo quis prosear comigo:
                                   _ E aí rapaz! Como vai a vida?
                                   _ Acredito estar bem. Respondi.
                                   _ Como é seu nome mesmo?
                                   _ Chamo-me Jonas, e o senhor?
                                   _ Rodrigão!
                                   Certamente deveria ser popular, e trabalhar em algo pesado, pois suas mãos acusavam isso, e não foi preciso muito tempo de prosa, para contar-me onde trabalhava, estava empregado numa empreiteira, onde estavam construindo um prédio próximo à estação da Luz, tinha participado de sua demolição, ou seja, a contração no qual estavam trabalhando era no lugar de um antigo prédio, mas este era mais moderno, e iria ser um ponto de revitalização comercial ao local, era a opinião dele, e não podia estar menos animado, pois o emprego dele estava garantido, embora eu achasse ser um serviço de exploração. Era sem dúvida alguma, um exímio funcionário, devido a sua idade e ainda estar empregado, certamente deveria ter algo a oferecer de bom a empresa, como atuava num segmento onde exigia-se força física, um jovem teria condições maiores de ser mais eficiente, mas também não teria experiência suficiente para diagnosticar problemas, e estes poderiam levar a certos prejuízos a empresa, talvez essa seria a razão de o manter.
                                   Logo chegou o meu ponto, despedi-me de Rodrigão e tratei de subir logo as escadas para pegar o metrô, aparentemente uma viagem tranqüila, não tinha presenciado nenhum assalto as carteiras de passageiros, talvez a presença de alguns policiais inibissem a ação destes assaltantes, e ao entrar no metrô não foi possível pegar lugar, já estava cheio, e nem por isso incomodava-me, pois tinha a sensação deste transporte ser mais rápido do que o trem, assim o tempo passava e mal percebia, e passou tão rápido, que mal entrei e já saí, pois estava eu na estação da Moóca, agora, era só dirigir-me a Universidade São Francisco para fazer a minha inscrição ao vestibular, a chuva não havia passado ainda, e tive de enfrentar a poças e molhar meus pés, embora estivesse de tênis, não era o suficiente para impedir aquela água escorrendo pelas calçadas, aos pouco fosse penetrando pelas meias, disso sentia raiva, embora a chuva fosse importante, ficar com os pés molhado era sinônimo de ficar com gripe.
                                   No momento da volta, onde já findava-se à tarde, a chuva já tinha parado, embora estivesse prometendo cair mais água, já era bom essa pequena parada, pois assim os pés não precisariam ficar mais úmidos, antes de voltar para casa resolvi seguir até a estação da luz e prestigiar o serviço do Rodrigão, este senhor de cabelos grisalhos, despertou em mim o interesse de conhecer mais de perto esse serviço tão essencial, e ao mesmo tempo, tão discriminado. Ao chegar ao local, perguntei pelo senhor Rodrigo, e logo um dos funcionários da empresa aponta onde estava, no alto do prédio comandando alguns funcionários, no andar do térreo era possível ouvir a voz gritada e forte, estavam construindo o quarto andar, de um total de trinta e dois, ao me ver logo foi me apresentando aos seus companheiros, dizendo ter me conhecido no trem, fez questão de mostrar a qualidade do seu serviço, e ali não consegui sair enquanto não me mostrasse tudo, e sempre se valorizando da sua importância para a continuidade da obra. Realmente me convencera de sua importância, pois sem o seu comando forte e prestimoso, talvez não pudessem estar onde estavam, ele não se cansava de cobrar de seus comandados, destreza, rapidez, eficiência e qualidade no serviço, e começava eu a entender porque a empresa o mantinha no emprego, era a sua experiência de gerenciamento. Quando finalmente consegui me despedir, começou a chover, tentei dar algumas corridas para chegar o mais breve possível à estação, mas era interrompido pelos semáforos e o trânsito, era carro e mais carro, se ao menos essas pessoas usassem um pouco mais os transportes ferroviários, seria possível diminuir o transito, a poluição dos automóveis e os pedestres poderiam circular com mais rapidez pela cidade, a capital do estado.
                                   Procurava me apressar, pois sabia estar chegando a hora dos trabalhadores irem para casa, e esse era um momento difícil, e as conduções sempre lotavam, nem no trem era possível pegar lugar nos assentos, e eu teria provavelmente ir de pé, talvez esse desconforto seria o desestímulo para as pessoas viajarem mais por esse transporte, ao mesmo tempo era cômodo falar mal do governo, e não lutar para haver mais trens disponíveis, de modo que os seus passageiros pudessem viajar sentados, como nos automóveis, como sozinho não conseguiria mudar nada tratei de correr o mais depressa possível, para enfrentar a fila da passagem, e depois tentar ser rápido no momento de entrar no transporte. Não foi possível, pois fui um dos últimos passageiros a adentrar, e logo as portas se fecham e parte para a próxima estação, o trem estava lotado, não tive lugar para sentar, tendo de ir de pé, para a minha sorte não estava carregando nada tão pesado, senão seria difícil de manter-me em equilíbrio, não era o caso da moça ao meu lado, com uma das mãos segurava-se para não cair, enquanto a outra segurava o seu bebê, alguns passageiros até tinham oferecido para carregar, mas hoje em dia não se pode confiar em ninguém, como ninguém ofereceu o lugar a ela, ficou de pé mesmo. A cada estação parecia lotar mais ainda o trem, saia bastante passageiros, mas entrava bastante e assim foi até chegar finalmente na estação onde desci.
2.
                                   O difícil de ter compromissos logo cedo, é o despertador, no melhor do sono ele nos acorda sem ter o menor acanhamento, e foi assim o começo desta minha quinta-feira, às cinco horas da manhã já estava de pé para tomar o meu café e pegar o ônibus rumo a estação, deveria ter levantado mais cedo, mas como às vezes fico enrolando na cama, saí atrasado e com isso perdi o ônibus, tendo de esperar mais uns vinte minutos até passar o próximo, o ponteiro dos minutos já se aproximava do número oito, e para mim isso significava a perda do trem das seis e conseqüentemente o meu atraso em São Paulo. Enfim cheguei a estação ferroviária, ao entrar percebi o trem já de partida, e sem pressa, pois já o havia perdido, fui comprar as passagens, feito isso, um grade barulho invade todo o recinto da saguão, o barulho foi forte, forte demais para ser uma bombinha no banheiro, e logo em seguida pessoas corriam, isso indicava uma coisa, acidente de trem, corri também para ver, e ao subir a plataforma, era isso mesmo o ocorrido, dois trens se chocaram, descarrilaram atingindo um pedaço da plataforma, aos poucos mais pessoas iam se ajuntando, pois haviam feridos e precisavam de socorro imediato.
                                   Já eram seis horas e trinta minutos, a área do acidente já havia sido isolada, policiais, médicos, enfermeiros, corpo de bombeiros estavam no local fazendo os primeiros socorros, e a multidão de pessoas só aumentava, uns estavam a procura de seus parentes, outras iam pegar o transporte para ir ao trabalho, e tinha aquelas que iam apreciar a carnificina, quem estava trabalhando no socorro às vítimas, tinha um trabalho árduo, alguns passageiros tinham ficado presos em ferragens, havia aqueles com fratura exposta, onde ficavam gemendo, uma vez ou outra era possível ver o socorro de alguns pacientes em estado mais grave, nesses casos usavam até um helicóptero da polícia militar para ser mais rápido o socorro. Mais trinta minutos, e veio um aviso através do serviço de alto-falantes, de estar interrompido temporariamente o serviço de trem naquela estação, e recomendaram dirigirem-se a outra estação, alguns chiaram, outros compreenderam a situação, mas quem tinha de trabalhar, era preciso o patrão compreender, e esse era o outro temor dos passageiros, num tempo de falta de emprego, um atraso ao serviço pode ser usado como argumento para despedir o funcionário e empregar outro, certamente por isso que alguns passageiros saíram às pressas da estação, alguns exaltados xingando o governo, mas por outro lado havia os agradecidos, embora inconscientemente, pois tanto a polícia como o corpo de bombeiros eram pagos pelo governo, e naquele momento eram eles os responsáveis pela tragédia não ser maior, pois tinham competência no socorro às vítimas.
                                   Como ia à São Paulo tive de pegar um ônibus onde a linha férrea não estava obstruída, esses por sua vez estavam abarrotados de pessoas, todas talvez com o mesmo propósito, o de pegar o trem sem se atrasar tanto, mas nessas alturas o atraso era inevitável, e por mais boa vontade, substituir um transporte ferroviário pelos ônibus significava o caos no trânsito. Como já havia comprado os bilhetes, pude ir direto a plataforma, esta já estava lotada, mas mesmo assim consegui chegar ao meu destino, fui participar de uma entrevista num escritório de advogados, estavam precisando de recepcionista e digitadores. Na sala de espera o principal assunto era o acidente ferroviário, segundo as informações dali, tinham morrido dezenove pessoas, acreditei ser pouco, pois o acidente fora terrível, mas em acontecidos deste porte, as informações reais precisam de um certo tempo para se confirmarem. Ao ser chamado, a primeira questão feita era de onde morava e qual era o meu transporte, por um minuto pensei em mentir, mas como mentira tem perna curta, achei melhor dizer a verdade, e em cima da resposta que dei fizeram outra, questionando como faria para chegar ao local de trabalho em caso de acidente, como eu tinha vivenciado esta situação, expus o que eu fiz, não sei se convenci, mas pelo menos os consegui desarmar, não passaram vinte minutos e eu já estava sendo dispensado da entrevista, disseram para aguardar a resposta, caso eles precisassem de mim, entrariam em contato.
                                   Antes de ir para casa resolvi passar na Santa Efigênia, no comércio, fui ver preços de instrumentos musicais, amplificadores, dei algumas voltas e me interessei por um pandeiro, era simples, mas tocava e isso era importante, comprei-o. Antes de pegar o trem resolvi comer um salgadinho num bar e beber um refrigerante, aproveitei para saber das últimas informações, segundo o balconista, haviam morrido vinte e sete pessoas e mais de duzentos feridos, lamentamos, um acidente de trem não acontece sempre, mas quando acontece, deixa marcas, ou talvez pelo fato de estarmos acostumados aos acidentes de carros, e estes nem serem mais motivo de interesse na mídia, é que um acidente de trem assusta, pois acredito que morre mais pessoas em acidentes automobilísticos do que ferroviários.
3.
                                   Após uma semana, o tráfego ferroviário já havia voltado ao normal, o retorno a rotina era forçado a voltar como antes, pois quem sobrevivera tinha de trabalhar para viver, e não podia ter tanto luxo de ficar com medo de uma viagem de trem, e quanto a mim, simplesmente não consegui o em prego, fiquei sabendo por colegas, da ocupação dos cargos, eram pessoas de moradia próxima ao local de trabalho, talvez ficaram com medo de dar a oportunidade a alguém com dependência de transportes coletivos, ou simplesmente as pessoas eram mais capazes, agora eu não sei, talvez nunca saberei, se houvesse crescimento econômico, com melhor distribuição de rendas, talvez eu já estivesse empregado, e também não precisasse ir muito longe de minha casa. Enfim é a vida tenho ainda uma batalha pela frente a dos vestibulares e posteriormente a minha formação profissional a nível superior.
                                   Como tinha de fazer algumas inscrições em outros vestibulares, resolvi fazer isso na parte da tarde, logo após o almoço pegou um trem e novamente me vejo a pensar encostado na janela do mesmo, de como esse transporte sai mais barato, nem mesmo uma carreta seria capaz de transportar tanta gente, e mesmo se o fizesse gastaria muito, e nesses meus pensamentos sou abruptamente interrompido, uma moça pergunta se o lugar ao meu lado estava ocupado, prontamente digo não, e ela sentou-se e começamos a prosear, fiquei sabendo o seu nome, aliás um bonito nome, Júlia, e também iria se inscrever no vestibular, estava com vontade de estudar enfermagem, acreditara ser um emprego de futuro.
                                   Resolvemos ir juntos fazer as inscrições, foi até bom, pois o tempo passou e não percebemos, esquecemos até do tempo gasto pelo trem, parecia estar havendo um interesse mútuo, mas ainda era cedo para pensar em algo mais sério do que um simples encontro, pois teríamos um longo percurso a percorrer, e certamente para algo dar certo teríamos de no mínimo pegar a mesma condução para um futuro curso superior, mas o mais importante era curtir a situação criada.
                                   Conseguimos voltar antes das dezoito horas, assim ainda conseguimos pegar lugar para viajarmos sentados no trem, a viajem pareceria ser bem rápida como na vinda, embora ela demorasse um pouco, começamos a falar do que cada um gostava mais, e logo descobrimos algo em comum, viajar de trem, e de trem Júlia já tinha ido até Bauru, onde tinha parentes, embora devesse ser um pouco mais rápido, mas a vantagem do trem em relação há um ônibus, é o conforto e a liberdade de poder andar, além de alguns lugares serem verdadeiras paisagens, como as dos maiores pintores, a diferença era a de ser natural, e poder ser vista de vários ângulos. Segundo Júlia, para algumas pessoas uma parte de suas vidas é passada dentro de um trem, e não se trata apenas dos funcionários, mas dos trabalhadores.
                                   Uma estação antes da minha, desceu Júlia, logo depois foi a minha vez de completar mais uma tarefa, voltar novamente para casa e preparar-me para os novos dias que virão, para as novas dificuldades apresentadas pela vida, da qual terei de estar preparado para vencer, mas sem ter uma boa formação universitária se torna impossível a qualquer pessoa progredir, ainda bem que posso contar com um transporte coletivo de grandes massas, pois a faculdade não tem em minha cidade, e pior são as cidades sem curso superior e sem trem.
Marcelo Torca
Enviado por Marcelo Torca em 15/09/2007
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